Reconciliação

 Foi numa tarde qualquer que o Lobo e o Tolo se reencontraram. O Tolo estava jogado em seu canto tristonho, cabisbaixo. O Lobo de passagem o viu e se aproximou sem se deixar ser percebido, pegando o Tolo desprevenido.

- Como vai velho amigo? Parece triste, o que tem acontecido em sua vida?

 O Tolo num salto malabarístico espalhafatosamente espantado se alegrou no seguinte instante em que reconheceu quem veio lhe assustar.


- Como vai, seu velho lobo dos ares! A quanto tempo não vem me sussurrar seus conselhos e me alegrar com seus rosnares! A vida anda complicada. Tenho me perdido em minhas máscaras. Comi de um fruto que me fez mal, mas tinha que ver, fruto como aquele não tinha igual! Tão saboroso, tão suculento! De um amargo levemente adocicado! Tão bom que resolvi comer ele pedacinho por pedacinho, devagar e com cuidado. Degustei ele beeeeem demorado.

 Conforme o Tolo contava sua alegria retornava uma alegria que o Lobo nunca vira antes em seu amigo maquiado. Sua roupa espalhafatosa de bufão e a cara pintada sem discrição chegavam a ganhar uma vida que a muito ali não havia. Mas algo estava errado, e o Lobo sabia, afinal, o que ele não poderia saber de seu mais íntimo amigo espalhafatado?

- Tolo... Como um fruto tão bom foi te fazer tão mal?

 A pergunta foi simples e certeira. A expressão do bufão, foi da comédia à tragédia aos poucos enquanto ele explicava tudo ao Lobo.

- Eu fui descuidado, irmão. Me preocupei tanto em aproveitar o máximo do fruto que acabei vacilando em seus cuidados. Aos poucos ele envelheceu, apodreceu, as vezes até caiu, se sujou todo e ficou todo machucado. E eu... Nem cheguei a comer metade...

 Enquanto ele falava, seus olhos se enxiam d'água, de um deles escorreu uma lágrima que borrou com a maquiagem e rolou enegrecida em sua face, até ir de encontro ao chão. Deu uma fungada engolindo seu choro e continuou seu desafogo.

- E não sei o que esse fruto fez em mim, mas ele bagunçou tudo. Tantos anos de organização desorganizada. Tantos anos numa empreitada em busca da fábula nunca narrada. Tantas máscaras que não sei mais identificar quando, como, onde e qual delas usar...

- Calma, amigo, calma. Tudo vai se encaixar, estou aqui pra isso. Afinal, é só recomeçar do zero, fazer tudo de novo... Sempre da certo. Afinal, você é o Arcano Zero. Tudo em um. Nada em todos. Você consegue.

 Sem perceber o Tolo já estava sorrindo, um sorriso que não se podia identificar se era uma independência ou um misto de felicidade, raiva, tristeza, angústia e demais ambiguidades incontidas. O Tolo se ergueu, começou a girar malabaristicamente seu bastão pelo ar e se pôs a andar, rindo, assoviando e cantarolando “Vamos eu e meu irmão, temos ainda muito chão e nenhum pão...”, e o Lobo tornou a seguir a vida de seu amigo perdido.

 Mal perceberam que ao se erguer, o Tolo deixara cair sem querer o fruto no chão. Não que realmente fossem dar falta daquilo...

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