Silêncio

(deveria ter uma imagem aqui, mas eu queria uma imagem específica, então talvez um dia eu desenhe, por enquanto fica a cargo da tua imaginação)

  A luz do quarto estava apagada, mas a luz da cozinha conseguia iluminar o quarto osuficiente para que desse um ambiente de meia luz. Ele estava deitado, virado pra cima, e ela sentada na beira da cama, virada pra ele, olhando pra ele, esperando uma resposta. “Qualquer coisa.”, como ela mesmo havia pedido.
 
 Há quanto tempo aquilo durava? Não tinha um ano, por que não a conhecia há um ano, mas já haviam visto filmes juntos, compartilhado confissões, ele já conhecia pai, mãe e irmãos dela, da mesma forma que ela vivia na casa dele e já tinham até dormido na mesma cama uma noite ou outra.

 “Apenas amigos.”, ele repetia para si mesmo com uma frequência anormal. Não poderia esquecer disso, não depois de ver ela por tantas vezes apaixonada por incontáveis pessoas. “Mas nunca por mim.”, nunca.

 Sempre lembrava aquela noite em que ela se produziu toda para sair. Nunca fazia isso, até escova ela fez. Sua prepotência o permitiu pensar algumas vezes que ela se arrumou toda só pra tentar impressioná-lo. Quantas vezes ela teria feito escova na vida dela? Vivia com os cabelos desgrenhados. Aquela foto que tinha tirado dela na varanda com os cabelos soltos era linda. O sol refletiu o cobre dos cabelos de uma forma tão viva... Não podia pensar nessas coisas.

 A amizade sempre foi explícita, mas em um momento ou outro era tão dúbia. Um abraço, o modo como às vezes pegava em sua mão, ou quando ele percebia que ela o estava olhando tão intensamente. “É coisa da sua cabeça, otário.”. Verdade. A cabeça dele sempre teve vida própria.

- Queria contar pra ela.“Vai contar o que? Como? Vai se fazer de idiota de novo né? Você não tem jeito mesmo...”; - Mas eu vou. “Claro que vai, é uma anta. Se vira nessa, tchau.”.

 E estava decidido, mas não sabia como fazer isso. Chegou a uma conclusão simples, não falaria mais nada até finalmente conseguir dizer o que precisava. O mais ridículo dos votos de silêncio. Ainda era de manhã quando tinha se decidido. Era comum ter essas reflexões fúteis logo que acordava. Levantou da cama, e começou seu dia.

 Estava de férias, não tinha muita coisa pra fazer, o dia correu como de costume, se encontrou com a “galera” no “local de sempre” e no final do dia todos acabaram indo pra sua casa. Logo de início ela reparou que ele estava estranho, sempre quieto, respondia apenas com gestos simples. Quando a resposta não podia ser um sim ou não apenas fazia um gesto genérico de dúvida. Manteve-se o tempo todo extremamente deslocado dos outros, mais que o seu normal.

 Já na sua casa, não trocava nem olhares, sempre com uma expressão de desânimo em face. Não conseguia ficar sozinho com ela, não conseguiria nunca dizer na frente de todos, não conseguia nem se motivar a tirar ela dali do meio de todos e tomar uma iniciativa. Respirou fundo e não demorou pra ir ao quarto e deitar na cama sem nem acender a luz.

 Ficou olhando pro teto e ouvindo a conversa de todos por um tempo. Como de costume, demoraram quase meia hora pra notar que ele nem estava mais lá. Quando notaram, comentaram várias coisas em sussurros, achando que ele não pudesse ouvir: “Será que tá passando mal? Acho que foi dormir. Talvez a gente devesse só ir embora...”; então, no meio de todo aquele burburinho ele ouviu um “Vou lá falar com ele.”.

 “É agora.”, pensou, mas não sabia o que fazer. Quando ela entrou sentou na beirada da cama, olhou pra ele e perguntou: - Você tá bem?; Ele não disse nada, nem sequer mexeu a cabeça. Ela insistiu: - O que que você tem? Tá passando mal? Tá chateado com alguma coisa? Eu fiz alguma coisa?; Ele continuou em silêncio, abriu a boca para falar alguma coisa, mas percebeu que seria alguma desculpa para ele mesmo não falar o que realmente queria. Riu. Ela não entendeu, então respirou fundo e tornou a ficar quieto.

 Cansada ela soltou um ultimato de desespero: - Fala alguma coisa, por favor! Qualquer coisa!; “Qualquer coisa.”, aí estava sua oportunidade. Ele riu de novo, dessa vez não sabia por que, mas riu. Fez com a mão para que ela se aproximasse, chegou no ouvido dela e sussurrou: - Te amo...

 Ela sorriu envergonhada, mesmo no escuro ele pode ver o rosto dela enrubescer. Sem ter o que dizer a única coisa que veio à mente dela foi uma brincadeira: - Fala qualquer coisa menos isso!; e ele riu com vontade. Não esperava essa resposta, mas de certa forma era o que ele queria ouvir. Na verdade era o que ele esperava, mas não desse jeito. Riu mais e ela riu junto.

 Ele poderia tê-la beijado se quisesse, ninguém teria visto, estavam sozinhos, o quarto estava escuro. Poderia ter ao menos tentado roubar um beijo, mas de alguma forma ia estragar o momento e o sentido.

 Ela começou a tentar explicar que não podia retribuir o sentimento, mas ele já sabia, parou ela antes que continuasse e disse: - Relaxa, eu só precisava dizer, vai ajudar a superar isso mais rápido. Vamos voltar pra cozinha.

 Depois disso a amizade deles apenas ficou mais forte, parecia até que essa amizade nunca teria sido tão forte se isso não tivesse acontecido. De certa forma, realmente não teria...

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