Encontro Aleatório

(E mais uma vez venho eu com um conto meio grandinho. Tive a idéia hoje no buzão voltando pra casa. Deixo a cargo de quem ler e me conhecer tentar descobrir que parte é verdadeira e que parte não é. Outra coisa que quero falar logo é que ainda não reli o texto, escrevi e mandei, depois conserto qualquer coisa... Boa leitura.)

Ônibus é um porre, ninguém gosta de pegar ônibus pra fazer nada. Útil? Sim. Confortável? Nunca. Assim sempre pensara ela e assim ela pensava naquele momento, pelo menos pensava até se distrair com alguma coisa fútil, uma de suas habilidades da qual ela mais se gabava.

Nuvens, o céu estava com algumas delas e nelas ela se perdia. Enquanto estava no ponto já tinha de distraído com algumas delas, observando o leve vagar com que elas percorriam o céu. Uma coisa que ela nunca entendia é como as pessoas conseguiam ver formas das mais variadas nas nuvens, por que ela própria não via nada além de gigantescos algodões voadores que ela tinha imensa vontade de desfazer em mil pedaços. Achava que talvez ela fosse desprovida de imaginação quando se tratava de nuvens, mas sabia que era mentira, pois uma vez ela viu uma nuvem que tinha o formato de uma mão enorme fechada apontando o indicador diretamente para ela. Na verdade ela era azarada por ver apenas as nuvens quando estão entrando no espírito da brincadeira de tomar formas e saindo desse mesmo espírito.

Agora no ônibus ela não procurava formas perdidas de entidades passageiras. Ela apenas observava perdida e se perguntava se o vento estaria forte lá em cima. Quando estava no ponto as nuvens se moviam com vivacidade, agora não sabia se elas se moviam ou estavam paradas pois o movimento do monstro automobilístico poderia estar pregando peças em sua mente.

Ela estava em pé perto da roleta, o ônibus estava lotado e toda vez que alguém passava pra descer ou mesmo quando alguém entrava era necessário todo um contorcionismo para abrir caminho. Era tão freqüente ter pessoas roçando em suas pernas e bunda que ela nem sabia mais quando tal coisa acontecia de propósito ou sem intenção. Aquilo parecia mais um kamasutramóvel do que um ônibus.

A única diversão dela naquilo tudo era reconhecer as pessoas que nem conhecia pessoalmente, mas apenas de vista, por serem pessoas que pegam ônibus nos mesmos horários. Lá estavam quase todos os passageiros costumeiros de suas viagens diárias. O metaleiro universitário com sua eterna cara de “foda-se”, balançava levemente a cabeça ao ritmo de seja lá qual fosse a música que tocava em seu aparelho mp3, pelo menos ele não era como a típica dupla de funkeiros que colocavam o volume da “batida do momento” nas alturas incomodando todos os outros, felizmente essa dupla infortuna não estava por lá.

Uma passageira atípica era uma garotinha novinha de uns dez anos, muda, mas essa deficiência não era nenhum empecilho para que ela fosse uma senhorita faladeira. Era hiperativa e tentava se comunicar com qualquer pessoa que passasse o olhar por ela. Até gostava da mudinha, já teve longas conversas de ônibus com ela e adoraria ter um pouco da companhia dela nesse momento, mas lotado como o ônibus estava era complicado andar meio metro. Não valia o esforço.

Devido à força de uma curva, uma jovem loira (bonita) que estava a seu lado curvou-se um pouco pra frente deixando à mostra a pessoa que estava logo depois dela. Aleatoriamente os olhos dele se cruzaram com os dela, era uma ex-paixão de adolescência que ela já havia até mesmo esquecido. Por instinto ambos desviaram o olhar quase no mesmo momento. Depois da curva a moça loira voltou a cobrir sua visão sobre ele e ela se sentiu mais aliviada. Ainda o buscou com o olhar algumas vezes, mas apenas via suas costas (usava uma camisa azul marinho), seu cabelo bem curto penteado pra trás fazia lembrar uma versão menos “famosa” de Jhon Travolta, talvez pela ausência dos óculos escuros. Ele usava esse penteado desde que a conhecera.

Não sabia o que ele tinha, mas ele tinha essa coisa estranha, ele atraia de alguma forma, possuía algum carisma, mas ao mesmo tempo havia um “quê” de estranho de nele. Não sabia se isso era bom ou ruim. “Ambos.”; pensou. Ficou admirando as mãos dele, não musculosas e com dedos finos, nada masculinas e muito belas de fato. Ele era magro, não muito alto e tinha um sorriso bonito de se ver. Uma das coisas mais incômodas é que ele desviava o olhar a cada segundo, falava com os outros como se estivesse falando com o nada e havia algo de sobrenatural nisso. Mesmo que não olhasse pra você parecia que ele estava te observando, vendo todos os seus gestos e, de certa forma, te examinando.

Ficou o resto da viagem inteira do ônibus pensando em como ele a teria visto naquela hora. Não estava muito bem arrumada, na verdade estacava acabada mesmo. Tivera um dia cheio e estava louca pra voltar logo pra casa, também não estava usando roupas muito decentes: uma camisa preta que apesar de limpa estava um preto desbotado de tanto lavar, uma calça jeans justa no mesmo estado, limpa, porém desbotada. Fazer o que se gostava de roupas velhas? Se sua mãe a visse diria que estava igual a um “homenzinho”.

Tentou se distrair mais uma vez com as nuvens, mas ela não tinha controle sobre sua capacidade de distração da qual tanto se orgulhava. Ele continuava em seus pensamentos. Se perguntava se ela também estava nos deles, algo lhe dizia que sim. Por algum motivo ela sabia que ele estava a observando, mesmo que isso não fosse muito possível devido à moça loira, mas era a mesma sensação de quando se conversava com ele e ele ficava olhando o nada. Sim, ele estava a observando de algum modo.

O ônibus parou em um ponto e a pessoa que estava sentada na cadeira frente a ele desceu. Ele sentou-se e agora ela poderia ver o rosto dele se quisesse, mas não queria, estava com vergonha por algum motivo que não entendia. Viu apenas o rosto dele de relance antes de virar o rosto pra baixo e pegar o celular da bolsa fingindo ver a hora ou ler uma mensagem. Ele continuava o mesmo, não estava bonito nem feio, apenas com aquele carisma e esquisitice pessoal única dele.

“Por que ele não fala comigo?”; se perguntava mesmo sabendo que ele era péssimo com primeiros passos. Ela que não tomaria uma iniciativa, não estava disposta a viver pelo passado, por melhor que ele tenha sido. Então sua distração começou a surtir efeito, começou a ver a si mesma em terceira pessoa. Começou a enxergar a si mesma como se estivesse vendo um filme onde ela era a estrela de uma espécie de comédia romântica bem peculiar. Viu a cena do ônibus percorrendo a estrada em pleno fim de tarde, a câmera se aproximar da janela traseira, passando por ela como se fosse um fantasma, se esgueirando por dentre o tumulto do ônibus como se fosse uma cobra, passando por ele com seu eterno ar de indiferença e chegando ao olhar de perdição dela.

Ela riu. Não entendeu muito bem por que, mas achou aquela cena de constrangimento infantil muito engraçada agora que via onde se encontrava. Não gargalhou, mas teve que se conter para não começar e não conseguia parar de sorrir. “Por quê? Qual a graça?”, não havia resposta. Fechou os olhos e respirou fundo. Não deu certo, apenas riu mais e dessa vez chegou a soltar um “ha..” tímido e abafado pela sua própria boca. “Meu Deus! Devem estar achando que sou maluca!”; e a vontade de rir quase aumentou com esse pensamento.

Começou a se acalmar um pouco quando percebeu que seu ponto estava quase chegando. O alivio de chegar em casa. O que estava acontecendo? Será que ela quase teve alguma espécie de ataque de histeria? Será que a entidade da loucura lhe fez uma visita? Não sabia, não importava.

Chegando no seu ponto ela se acalmou e desceu com outras pessoas, sua casa ficava logo em frente ao ponto. Deu a volta no ônibus passando por trás dele e observou um pouco procurando saber se ele talvez estivesse olhando para o inesquecível portão da casa dela. Ela tentou entrar no campo de visão dele, mas o ônibus começou a sair do ponto e sumiu na primeira curva. Depois de entrar em casa e trancar o portão ela recostou nele por alguns segundos, fechou os olhos, suspirou com vontade, sorriu e sussurrou: “Viver é realmente divertido.”; tornou a abrir os olhos e com um sorriso no rosto foi para seu quarto descansar, tivera um dia e tanto.

Comentários

  1. Muito bom o seu conto. Agente vive reclamando da vida e esquecemos de reparar as coisas boas e divertidas que passam diante de nós.

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  2. Adorei! Quantas, mas quantas vezes já nao me peguei na terceira pessoa e me transformei em uma passageira de ônibus, de metrô, e pensando como viver tem várias cenas, e topadas às vezes indesejáveis com pessoas que nao queremos nunca mais ver.

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  3. Que tola romântica eu sou, fico esperando que tudo acabe como nos filmes e os (re)encontros deem certo.

    Gostei muito... Acompanhei atenta e curiosa. Quem sabe numa próxima viagem esses olhares se cruzem de novo, né?

    Beijo, Fie.

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  4. Deixei uma brincadeira aqui pra você!


    # se nao for a fim, tudo bem.

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